Em julho de 2023, parte da área rural do município de Sabará, mais especificamente a RPPN Colina dos Tucanos, próximo ao distrito de Ravena, foi atingida por um incêndio florestal criminoso. Segundo cálculos preliminares, foram cerca de 22 hectares queimados e o detalhamento de tudo está nas próximas linhas.
Condições de tempo antes do incêndio
O incêndio ocorreu em plena estiagem de inverno, num período prolongado de chuva escassa e temperaturas brandas, variando entre um frescor/calor leve durante a tarde (23/27 graus) e frio leve entre a noite e a manhã (10/14 graus). Houve uma onda de frio na 1ª semana de julho, pouco antes do fogo, que trouxe os dias mais frios do ano,com registros um pouco inferiores a 10ºC e máximas próximas dos 20 com tempo seco. Apesar da baixa pluviosidade, as temperaturas suaves do período impedem grande estresse hídrico e o fogo ocorreu em vegetação hidratada (verde) de Cerrado, cerradão e matas ciliares.
1º Monitoramento - 22 e 23/07/2023 - 04 dias após o fogo
Após extenso monitoramento em campo, inclusive no entorno imediato da área da RPPN, observou-se significativa irregularidade nas áreas atingidas pelo incêndio: áreas pouco afetadas pelo fogo, com ilhas queimadas em meio a vegetação preservada, dividiram espaço com outras muito afetadas, com ilhas verdes em meio a uma imensidão cinza e preta. O fogo “subiu o morro” em vários pontos e atingiu áreas campestres, savânicas e até florestais. Algumas áreas de mata foram dizimadas por completo e, em outros pontos, foram poupadas devido à maior umidade e presença de água, enquanto as savanas ao redor queimaram.
O tronco das árvores grandes ficou completamente carbonizado próximo do solo e muitos arbustos e arvoretas foram afetados por inteiro, vindo a apenas rebrotar a partir de estruturas subterrâneas no futuro.
2º monitoramento - 29 e 30/07/2023 - 11 dias do incêndio
Condições do tempo: período de plena estiagem de inverno, sem chuva. No máximo, ocorreram alguns períodos nublados e chuvisco passageiro, que melhoram a umidade relativa do ar e baixam a temperatura, porém não trazem nenhum efeito na umidade do solo. As temperaturas variaram entre 15 e 28 graus em média.
Devastação quase absoluta nas áreas afetadas pelo fogo, com nenhum arbusto ou árvore da área de ocorrência com sinal de recuperação. Há ligeiríssimo desenvolvimento da vegetação herbácea, ainda muito baixa e espaçada em pequenas moitas isoladas, em áreas mais e menos abertas - apesar que, após o incêndio, a diferença de densidade entre as fisionomias vegetais cai drasticamente, já que o fogo consome boa parte da biomassa verde. Muitas cinzas e fuligem no chão da floresta, que são facilmente levadas pelo vento.
3º monitoramento - 05 e 06/08/23 - 17 dias após o fogo.
Condições do tempo: : tempo típico da época, sem ocorrência de chuva e com registro de aumento médio nas temperaturas máximas (27/29 graus), com noites ainda amenas ou ligeiramente frias (13/14 graus).
Pouca mudança na paisagem comparado a 1 semana atrás, ou seja, o aspecto continua praticamente o mesmo: escuro e preto, devido ao excesso de fuligem e matéria orgânica carbonizada, que persistem no solo. A vegetação herbácea, predominantemente composta por poáceas, segue crescendo nas áreas queimadas, no entanto, pouco interferem no aspecto geral da paisagem. Em alguns pontos, há baixo crescimento mesmo das gramíneas.
O tronco das árvores permanece carbonizado e, entre a vegetação arbustiva e arbórea, pouquíssima mudança, exceto por alguns brotos e folhas novas que surgem em alguns galhos, provavelmente devido à queima de gemas apicais. É muito pouco significativo e não altera em nada o aspecto geral da paisagem queimada - somente olhares atentos percebem a mudança - no entanto, revela traços de recuperação dos indivíduos arbóreos e a resiliência vegetal, antes das primeiras chuvas da primavera.
4º monitoramento - 19 e 20/08/23 - 31 dias após o fogo
Condições do tempo: o tempo permaneceu firme em todo o período e as temperaturas seguiram seu curso natural de aumento nesta época do ano (variaram entre 17 e 26 graus, em média), porém com um período ameno, ventoso e de muitas nuvens entre os dias 14 e 18/08.
As áreas queimadas permanecem bastante afetadas pelas cinzas e pelo carbono, com aspecto escuro e preto predominante. Nas áreas mais abertas, onde há ocorrência natural mais abundante de vegetação herbácea, a cor verde segue aumentando e dividindo espaço com o preto, uma vez que as ervas crescem bem mais rápido que as plantas lenhosas. No interior das matas queimadas, onde a vegetação herbácea é reduzida, o aspecto escuro, preto e deserto permanece implacável, porém uma maior quantidade de brotos começa a trazer um princípio de recuperação.
Esses ramos novos surgem do tronco das árvores ou, muitas vezes, diretamente do chão, especialmente nos arbustos e arvoretas, provenientes de raízes ou do tronco subterrâneo que esteve mais protegido do calor. Apesar de ainda trazerem pouco impacto sobre a paisagem, eles representam a melhora futura, uma vez que formarão os galhos lenhosos que serão as novas copas em breve - são o futuro da floresta. As primeiras flores foram observadas, como maciços de margaridas amarelas (asteraceae) e malváceas e algumas árvores já têm brotação ampla na copa. No entanto, a maioria dos indivíduos arbóreos permanecem completamente carbonizados e deram pouco ou quase nenhum sinal de recuperação.
5º monitoramento - 02 e 03/09 - 45 dias após o fogo
Condições do tempo: tempo firme na maior parte do período, com a ocorrência de uma atípica onda de calor (até 34ºC) seguida de uma acentuada mudança de tempo entre os dias 25 e 31/08, quando ocorreu queda de 10ºC na temperatura junto de tempo encoberto persistente e chuvas leves atípicas para a época. Em alguns dias, essas chuvas foram moderadas e molharam ao menos superficialmente o solo.
Expressiva melhora geral no aspecto da vegetação, com brotamento amplo de folhas novas nas copas das árvores, além de brotamento generalizado de ramos novos diretamente do chão, nos casos em que o vegetal perdeu seus ramos superiores. As plantas herbáceas também já cobrem mais o solo, que ainda está parcialmente exposto. As bocaiúvas já soltaram folhas novas. Algumas plantas já retomaram sua fisiologia natural e mais flores já são vistas, como as do pincel-de-estudante-rosa (Trichogonia sp.), do barbatimão (Striphnodendron sp.), do pau-doce (Vochysia elliptica), entre outras. A floresta situada morro acima, vista de longe, está muito diferente do último período: de uma cor marrom quase absoluta, agora vê-se várias manchas verdes.
Apesar disso, ainda são muito evidentes os rastros do fogo, com cinzas por todo lado (mas já mais dispersas que no início) e troncos queimados. As plantas que já apresentaram a melhora fenotípica citada acima, ao mesmo tempo, estão com a base de seus troncos altamente carbonizada - e isso permanecerá por muito tempo. Os arbustos ou arvoretas que estão com brotamentos no chão seguem com os ramos secos e carbonizados expostos. Em alguns pontos, a melhora no aspecto é relativamente pequena, com predomínio da cor preta e cinza, mas esses casos estão mais isolados agora.
6º monitoramento - 14 e 15 de outubro - 87 dias após o fogo
Condições do tempo: com a chegada da primavera, as temperaturas entraram em forte ascensão, com a ocorrência de muitos dias quentes ou muito quentes (máximas entre 28 e 34°C) e de uma intensa onda de calor no final do mês de setembro, quando as temperaturas superaram os 37ºC na região. Ao mesmo tempo, a cobertura de nuvens aumentou e as primeiras chuvas da nova estação apareceram, algumas com bom volume, espaçadas umas das outras por cerca de 5 dias.
Devido ao intervalo maior entre esta e a última observação e à ocorrência de algumas chuvas, foi observada a maior recuperação da vegetação até então. As cinzas que estavam no solo praticamente desapareceram e as árvores já estão praticamente todas folhadas, embora com algumas falhas eventuais. Praticamente todas as árvores, arvoretas ou arbustos que que tiveram a parte aérea morta pelo fogo já apresentam brotos laterais provenientes do chão, que virão a compor o novo indivíduo, alguns já com mais de 1 m de altura. Estes brotos novos ficam dispostos ao lado do outro queimado (preto), de forma que, esteticamente, parece uma muda com sua estaca.
Vista de longe, a floresta tem aspecto quase normal em alguns pontos, já que os rastros do fogo estão mais escassos. No entanto, principalmente em áreas florestais mais densas, observa-se grande quantidade de troncos queimados evidentes, com base altamente carbonizada. Em alguns pontos, há praticamente uma floresta inteira “nascendo” diretamente do chão, a partir destes brotos, ainda que, nestes casos, os ramos imediatamente acima estejam mortos, o que traz forte aspecto queimado à mata.
O solo, em grande parte, já se encontra completamente coberto por uma relva verde, especialmente nas áreas mais iluminadas. Nos sub-bosques florestais, a melhora é mais lenta e ainda há mais resquícios do fogo, especialmente nas Áreas de Preservação Permanente (APPs). As bocaiúvas seguem soltando folhas novas e a maioria das plantas já retomaram sua fisiologia natural, inclusive com o prosseguimento de florações típicas da época e do local.
7º monitoramento - 29 de outubro - 101 dias após o fogo
Condições do tempo: com a primavera cada vez mais avançada, as temperaturas entram em um padrão aquecido (entre 18 e 33 graus) e as chuvas estão mais frequentes e intensas, com registro de mais de 100 mm em 2 semanas, em geral na forma de pancadas com raios. O tempo quente e úmido favorece um maior crescimento da vegetação, que tende a se recuperar cada vez mais rápido daqui em diante.
As melhorias são as mesmas das já relatadas nos demais monitoramentos, porém com o natural e progressivo aumento da biomassa verde, tanto nas copas quanto nos ramos que surgem diretamente do chão. De forma geral, o aspecto da vegetação já está próximo do original nas áreas parcialmente ou pouco afetadas, porém aquelas que foram muito queimadas ainda apresentam sinais visíveis, em plena recuperação. Vale salientar que as áreas mais florestais de APPs têm recuperação mais lenta e seguem sob significativo impacto visual.
8º monitoramento - 31 de dezembro - 164 dias após o fogo
Condições do tempo: apesar de abaixo da média histórica, dezembro teve chuva frequente e útil para recuperação da área. Os últimos 10 dias marcaram o começo de um padrão mais chuvoso que perdurou ao longo do verão. As temperaturas permaneceram acima da média histórica.
9º monitoramento - 25 de fevereiro/2024 - 220 dias após o fogo
Condições do tempo: nebulosidade e chuva frequente e abundante nas últimas semanas, ligeiramente acima da média, com temperaturas altas.
10º monitoramento - 16 de junho/2024 - 342 dias após o fogo
Condições do tempo: o período de estiagem já encontra-se plenamente estabelecido e, apesar do outono marcado por temperaturas acima ou muito acima da média, as temperaturas caem para valores entre 15 e 10ºC na maioria das noites, enquanto os dias registram 23 a 27°C no local. O sol é constante nas semanas anteriores.
Quase 1 ano após o incêndio florestal, praticamente não se percebe mais sinais explícitos do fogo, exceto pela fuligem que segue presente em alguns troncos caídos pela região, e a vegetação aparenta estar plenamente restabelecida. No entanto, olhares mais atentos percebem os efeitos indiretos e de maior prazo do incêndio que devastou a região: a mudança na composição de espécies, especialmente quanto à maior presença de gramíneas, que gera uma fitofisionomia mais aberta.
Infelizmente, o fogo mata parte da vegetação arbustiva e arbórea da região atingida, que demoram mais a se restabelecer e, nesse tempo, as gramíneas - de crescimento e espalhamento muito mais rápidos - têm tempo e espaço para colonizar áreas até então ocupadas por espécies lenhosas. Isso traz como consequência o estabelecimento de uma vegetação menos florestal. Nota-se, ainda, presença mais marcante de subarbustos, pelo mesmo motivo já citado.