A Mata do Isidoro é o mais extenso remanescente de vegetação nativa de Belo Horizonte fora de uma unidade de conservação, localizado no extremo norte do município, relativamente distante do núcleo inicial de urbanização da capital (anel da avenida do Contorno) no começo do século passado. É altamente susceptível a complexas interações dentro e fora de seus limites, como interesses do poder público e do setor imobiliário - fica próximo do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, da Linha Verde, da Cidade Administrativa e do Shopping Estação - de forma que ações de proteção são urgentes para a região, se a intenção for manter parte de sua vegetação preservada.
Seu nome é devido ao principal corpo d’água presente no local, o Ribeirão Isidoro, afluente do Ribeirão da Onça que, por sua vez, é afluente do rio das Velhas. A sub-bacia hidrográfica do Isidoro comporta cerca de 64 córregos e 280 nascentes, e sua área, de 55,19 milhões de m², abarca por volta de 20% do território de Belo Horizonte. Este córrego está localizado em uma região de fazendas e baixa ocupação, mas rodeado por vários bairros adensados, e sua mata ciliar tenta resistir e impedir o assoreamento total de seus córregos.
Várias denominações são encontradas para se referir a este território do Município de Belo Horizonte e cabe o seguinte esclarecimento: a Mata do Isidoro incorpora e abriga as ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, o Quilombo de Mangueiras, a Granja Werneck e as demais propriedades privadas ali presentes. Como a Granja Werneck corresponde à maior parte da região, muitas vezes, é tratada como referência regional e sinônimo da Mata.
É circundada por bairros que exercem forte pressão sobre ela, com ruas asfaltadas que fazem seu contorno, e percebe-se, assim, uma suposta divisão entre o urbano e o rural na cidade, talvez a última de sua história. Ainda existem áreas livres relevantes na região do bairro Capitão Eduardo, porém menores e mais descontínuas. É historicamente pouco considerada pelo Poder Público desde o início da urbanização do município, com histórico de ocupação desregulada, falta de infraestrutura e periferização. Muitas mudanças negativas ocorreram nas últimas décadas, como poluição e/ou extinção de corpos d’água, trilhas e ambientes de lazer, substituição de vegetação arbórea por savânica, urbanização e voçorocas.
A presença de atividades rurais e a concentração fundiária em poucos proprietários fez com que a área se mantivesse de maneira distinta de outros lugares da cidade, permitindo a existência da natureza, em diversos estágios de conservação, e o uso diversificado de seus potenciais. Mesmo declarada como área de proteção ambiental, na qual o parcelamento do solo tende a ser mais restritivo, houve perda significativa de vegetação.
FAUNA E FLORA
São cerca de 10.000.000 m² de fragmentos florestais dentro dos domínios da Mata Atlântica e do Cerrado, semelhante à área delimitada pela avenida do Contorno (8.820.000 m²), num contexto de propriedades particulares rurais (cerca de 9), um quilombo, três ocupações urbanas e vários bairros urbanizados ao redor. Em termos de área, só fica atrás da porção do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça pertencente ao município (13.005.597 m²). Como trata-se de uma área verde ainda não institucionalizada e nem parcelada, é a oportunidade para o Município de Belo Horizonte de ampliar suas áreas verdes e permeáveis antes da consolidação da região, algo quase inevitável nas próximas décadas.
O predomínio é de vegetação secundária, do tipo de savana gramíneo-lenhosa e floresta estacional. Dessa forma, são muitos gramados (áreas de vegetação herbácea) entremeados por árvores baixas em diversas concentrações e vegetação arbórea concentrada ao longo dos cursos d’água. Há potencial de avanço da savana sobre as áreas de gramíneas, caso seja permitida a sucessão ecológica, ou seja, a região comporta mais árvores do que se observa atualmente. Manter mais esse fragmento florestal é uma forma de potencializar os serviços ecossistêmicos da vegetação para a região norte de Belo Horizonte como, por exemplo, evitar futuros processos erosivos que levam ao assoreamento dos rios e enchentes.
Quanto à fauna, observa-se a presença de pacas, raposas, onças, traíras, bagres, lambaris, andorinhas, morcegos, urubus, pardais, lavadeiras, anus-pretos e brancos, colibris, pombos-do-mato, saracuras, seriemas, jacus, micos, tatus, teiús, cobras, gambás e raposas. São animais correspondentes à fauna tipicamente urbana, comum nos parques municipais da cidade, com algum acréscimo por ser um fragmento grande e muito pouco adensado.
POPULAÇÕES E A COMPLEXA QUESTÃO FUNDIÁRIA
O histórico de ocupação humana da área se remete à segunda metade do século XIX - ou seja, já havia habitantes no local antes da fundação de Belo Horizonte - e a família Werneck só adquiriu parte da área ao longo da 1ª metade do século XX, especialmente em 1932. O médico carioca Hugo Werneck chegou a Belo Horizonte em 1906, local que fora recomendado por médicos da Suíça, devido ao clima favorável para o tratamento de tuberculose - apresenta um antigo sanatório fechado em 1979.
A região da Mata da Isidoro era de pouca ocupação até as últimas décadas do século XX, e foi somente a partir de 1980 que a infraestrutura começou a chegar na área, como consequência natural do processo de urbanização de Belo Horizonte, predominantemente no sentido sul-norte. Em 1989, o adensamento já estava muito próximo das fazendas, o que inviabilizou as atividades agropecuárias que eram realizadas no local.
A partir de 2009, houve um aumento de repercussão a respeito da área e muito se falou em urbanização acelerada e “desenvolvimento”, atração de investimentos, moradias e diversos equipamentos públicos, o que seria a 10ª e última regional da Capital.
Também houveram propostas de preservação de parte da área, num processo de “urbanização verde”. Muitos conflitos de interesse, como não poderia deixar de ser em área livre dentro de uma metrópole.
Atualmente, a realidade é de estabelecimento de ocupações urbanas e várias tentativas de destinação à área: Via 540, Projeto Urbanístico Granja Werneck (2010), a Vila da Copa (2010), a construção de milhares moradias pelo Programa do Governo Federal “Minha Casa, Minha Vida”, o planejamento urbano municipal pela Operação Urbana do Isidoro (2010), as atividades econômicas dos proprietários de terrenos, sistemas viários, equipamentos urbanos, loteamentos, entre outros “avanços”. Ainda, observa-se invasões para depósito de lixo, trilhas clandestinas e desmanche de carros. Nesse cenário caótico, ainda existem amplas áreas de vegetação, por esse motivo a definição de ações de proteção é urgente, antes que seja tarde demais.
Na área da Mata, as localidades de maior declive são as mais ocupadas. Existe o Quilombo de Mangueiras, reconhecido pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e que tem uma ADE (Área de Diretriz Especial) própria pelo Plano Diretor de Belo Horizonte. Este quilombo ocupa uma pequena porção da Mata do Isidoro.
Em 2013, a Granja Werneck foi alvo de ocupações mais ou menos espontâneas, a saber: Rosa Leão, Esperança e Vitória, todas ao norte da região, que contaram com o apoio de entidades de defesa dos direitos humanos, dos movimentos sociais de moradias e de grupos de pesquisa de universidades. São residências simples, de baixa renda, construídas no meio da mata, onde os moradores cultivam hortas comunitárias e árvores frutíferas. Diante do cenário fundiário incerto, nos anos seguintes, discussões de reintegração de posse foram constantes, num embate de interesses sociais e fundiários na justiça.
Ao redor da Mata, há diversos bairros dominados por ocupações irregulares, como Zilah Spósito, Xodó-Marize, Juliana, Solimões, Jardim Felicidade, Tupi e Lajedo, todos com baixo índice de qualidade de vida urbana (IQVU), segundo dados da prefeitura de Belo Horizonte de 2006.
E fica a questão levantada pelo trabalho considerado neste artigo (e referenciado abaixo): o poder público e a iniciativa privada alegam a necessidade de novos empreendimentos para suprir a demanda por moradias, geralmente em locais com vegetação remanescente, enquanto imóveis desocupados persistem no espaço urbano. Esta é uma discussão importante, uma vez que a vegetação remanescente é a oportunidade de se criar áreas de preservação já que, uma vez consolidada, é muito difícil reverter o processo.
COMO MANTER, AO MENOS EM PARTE, A FLORESTA?
Em 2014, a Mata do Isidoro foi incluída, em sua totalidade, como uma das áreas definidas para ser conservada nas Categorias Complementares de Interesse Ambiental. Por meio do ordenamento da urbanização, via Lei do Plano Diretor, existe um direcionamento à preservação de parte da área:
Áreas com grau de proteção 1 - preservação permanente de nascentes, cursos d’água e grandes áreas contínuas de cobertura vegetal de relevância ambiental. Ex.: Parques Leste e Oeste;
Áreas com Grau de Proteção 2 - áreas de proteção elevada - a ocupação, o adensamento e a impermeabilização do solo poderão ocorrer com restrições;
Áreas com grau de proteção 3 - a ocupação e o adensamento poderão ser menos restritivos.
No entanto, o Plano Diretor, sozinho, não é capaz de garantir a permanência da floresta, já que interesses particulares podem se sobrepor aos coletivos. Diante disso, Júlia Benfica Senra, autora de dissertação no qual este artigo se baseou, sugeriu uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) para a Mata da Isidoro, devido à presença do Quilombo de Mangueiras e as atividades rurais em seu interior, e definiu a apropriação social como elementar para a existência da floresta na cidade. Um modelo de gestão compartilhada que tenha o poder público como parceiro e não como o único responsável pela área protegida. Nessa perspectiva, a autora considera fundamental a participação da população na proteção da Mata do Isidoro.
As motivações que ela encontrou quanto às apropriações da Mata da Isidoro são distintas, e algumas identificadas pela pesquisa foram: a circunstância de se morar em seu entorno, o “quintal” de subsistência e de lazer dos moradores das ocupações, as relações culturais e de sustento dos moradores do Quilombo, e os tratos rurais e usos recreativos dos proprietários de terra.
Esse modelo de proteção é diferente do majoritariamente utilizado em Belo Horizonte (parques) e permite o uso sustentável - inclusive moradia - da área protegida. Encontra respaldo na Constituição: no artigo 5º (incisos XXII e XXIII), a propriedade privada é indissociável de sua função social e, no artigo 170, cita os princípios da propriedade privada, da função social da propriedade e da defesa do meio ambiente.
Belo Horizonte alterou completamente sua paisagem nos últimos 126 anos, um tempo muito curto para construir uma cidade que abriga 2.315.560 habitantes (IBGE, 2022). A última (ou quase isso) área livre do município pode contribuir para a qualidade de vida do restante.
Literatura:
JÚLIA BENFICA SENRA (Belo Horizonte). Universidade Federal de Minas Gerais. EPITÁFIO: A FLORESTA SE DESPEDE DA CIDADE? 2018. Departamento de Geografia - Instituto de Geociências. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/EQVA-BBXDWT/1/disserta__o___j_lia_benfica_senra.pdf. Acesso em: 13 jul. 2023.